foto: Leandro Anton |
Após a publicação no Diário Oficial da União, do projeto escrito pela GUAYÍ com a colaboração de moradores do Bairro Cristal, o Quilombo do Sopapo tem no SINTRAJUFE-RS a parceria que faz surgir o primeiro Centro Cultural Comunitário para a Juventude do Cristal. Com a aprovação do Ponto de Cultura no edital do MINC 2005 e a parceria do Sindicato inicia-se em fevereiro de 2006 a elaboração da proposta de adequação e ocupação da casa da Avenida Capivari 602.
O Coletivo Casa Tierra faz seu primeiro projeto. Primeiro passo, apresentar a proposta para as lideranças comunitárias do Cristal, que formariam em janeiro de 2008 o Conselho Gestor Comunitário do Quilombo do Sopapo. A apresentação foi no Clube de Mães do Cristal e um comentário marcou este encontro "estes meninos são loucos, uma casa de terra com telhado de grama, isto é possível?"
A frase de Dona Madalena, então presidente do Clube, quase seria repetida em junho de 2006 quando o projeto foi apresentado para a executiva do SINTRAJUFE, que aprovou as adequações na casa de sua propriedade e se encantou com a proposta de uma nova edificação em técnicas de terra e com um jardim suspenso.
Nos sete anos desde estes encontros o Quilombo do Sopapo abriu as portas em janeiro de 2008, fez seus primeiros cursos de comunicação comunitária, entre eles o de Rádio Comunitária com a Rádio Ipanema Comunitária e nela foi anunciada a inauguração oficial que aconteceria em 16 de abril de 2008 com a presença de Mestre Baptista. São mais de quinze projetos que foram executados desde 2008.
É no final de 2011 que a Fundação Banco do Brasil aceita apoiar um projeto para finalizar o estúdio, ampliar as salas e edificar a sala em paredes de terra e telhado vivo. O que seria uma ampliação da área de convívio em 2006, transformou-se em um espaço para uma Rádio Comunitária em 2012, pois a mesma Fundação Banco do Brasil repassou a Guayí equipamentos para uma rádio.
E maio de 2012 se dá início à construção da sala com o Casa Tierra e mais que a construção este momento raro nos permite abrir um curso de bioconstrução, a Escola de Jovens Bioconstrutores, que durante os três primeiros meses da obra tiveram 5 jovens acompanhando o processo e fizeram uma primeira formação em bioconstrução.
Foi com esta história que no dia 17 de abril de 2013, durante a 5ª Semana do Quilombo do Sopapo que inauguramos a sala transformando em realidade aquilo que era inimaginável para Dona Madalena. Uma história de continuidade e de memória viva, pois do anúncio de inauguração do Quilombo do Sopapo em 2008 feito na Ipanema Comunitária e da benção de Mestre Baptista em abril de 2008, nesta semana tivemos o debate sobre Rádio Comunitária do Sopapo com a participação da "A Voz do Morro" e a visita da família de Mestre Baptista que ainda não conhecia o Quilombo do Sopapo.
A Sala Viva encontra inspiração no clipe Latinoamerica do Calle 13 que está abaixo e para os leitores de maior fôlego após o clipe há um encantador texto sobre o que significa a construção em terra para a Cultura Viva e o que motivou o Quilombo do Sopapo perseguir desde 2006 este espaço.
Quem quiser assistir o clipe legendado em português clique aqui www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=jW9_mFAGO0E .
Debate sobre rádio comunitária com a Voz do Morro foto: Douglas Oliveira |
Ensaios
sobre a simbologia na construção com terra...
Entre
os tantos distanciamentos que criamos com a visão de mundo
fragmentada dos últimos milênios está a perda da sacralidade da
construção. Muito mais do que fazer cálculos, derramar cimentos e
empilhar tijolos, a construção de espaços nasce na noite do tempo
dos seres humanos onde a consciência de um universo de
possibilidades começa a ser percebido.
A
construção surge em sincronia com a criação de ferramentas
primordiais e o cultivo, em um momento de vida onde a dependência
total e plena do ambiente não era questionada, mas onde damos nossos
primeiros passos em direção a adaptação diferencial como espécie.
Não
tenho dúvidas de que fomos influenciados por outras espécies que já
há milênios vinham se aprimorando na arte do construir, sejam elas
de convívio social (formigas, cupins) ou não (aves, pequenos
mamíferos, etc..). E nesse sentido acredito que o diferencial que
desenvolvemos aqui não foi à construção de estruturas de
habitação em si, mas a criatividade no que diz respeito a
materiais, formas, funções e símbolos.
O
movimento da arquitetura bio construída certamente tem cumprido esse
função de resgate. Resgate de relações mais saudáveis com o
meio, resgate de técnicas e materiais, o resgate das tradições,
dos ritos e da reverência ao sagrado. E é justamente sobre as
possíveis atuações nestes campos mais sutis que quero abordar.
foto: Leandro Anton |
Independente
de que material se use ou o espaço que se proponha, certamente é no
espaço do sagrado que tudo começa, é no reino do fogo que
encontramos a inspiração e sonhamos com o espírito do espaço. E é
ainda no portal do visionário que tecemos os primeiros esboços,
transformando a visão em desenho.
foto: Leandro Anton |
Mas
é no portal da terra que as coisas se materializam e a construção
realmente acontece. Em um campo denso a terra se expressa através da
matéria e da forma, é no movimento das sensações que escolhemos
os materiais e fazemos as “misturas” e os arquétipos do Amante,
do Curador e do Artesão começam a ser trabalhados.
É
o Amante que através do entusiasmo e a busca pelo sensual escolhe os
materiais a serem utilizados. A terra vermelha que traz paixão e
vitalidade, o tato do grão de areia certo é a medida do quanto
de memória e tradição vai na construção. O toque do Amante
também é essencial para amassar o barro, pois esse é um ato de
entrega, onde a nossa energia e a energia da terra se fundem em uma
só massa, assim como no sexo um corpo se entrega ao outro e as
barreiras entre os corpos deixam de existir para o êxtase acontecer.
Na
medida da água a sabedoria se expressa no quanto de emoção é
necessária para que a liga aconteça. É o Curador que se manifesta
buscando os vínculos, a ligação de uma camada na outra, da parede
com o reboco, a medicina de fazer com que as partes se transformem no
todo.
foto: Douglas Oliveira |
Nos
acabamentos o Artesão busca a beleza e a estética, alinhando as
formas, alisando a superfície com a mão moldando a intereza do
espaço, criando uma identidade, um novo significado.
A
Medicina do ar também se faz presente no processo de elaboração
mental que acompanha todo o processo. Mas principalmente na vontade
de trilhar novos caminhos e na determinação de construir novas
relações, mais verdadeiras, mais inteiras, mais fraternas. Na
comunicação sutil e às vezes silenciosa que acontece durante o
trabalho, na troca de experiências de vida, na flexibilidade e
leveza necessárias para o convívio coletivo sabendo honrar a
preciosa individualidade de cada um. É o aprender a dançar em um
pequeno pedaço de lona em cima do barro sem pisar no pé do outro.
foto: Leandro Anton |
Na
interação dos quatro elementos que a transformação acontece. Onde
corpos, mentes, almas e espíritos se reencontram. E se é na união
dos quatro elementos que se faz a quinta essência, outros níveis
conscienciais também são trabalhados já que a bio construção
também permite o reencontro entre gêneros no construir.
foto: Carlos Alberto |
foto: Douglas Oliveira |
Se
nos últimos séculos a sociedade tentou nos convencer de que
construção é trabalho pesado e coisa de macho e que o que cabe as
mulheres não é o construir, mas o limpar, lavar e passar, as
tradições antigas sempre souberam honrar a individualidade e o
charme da cada gênero. Na Grécia antiga, era função das mulheres
manter acessa a lareira no centro da casa, o fogo sagrado regido por
Hestia, a deusa virgem do sagrado, era passado por tochas de mãe
para filha no dia do casamento para garantir que, todo lar como
espaço que acolhe seria sempre protegido, nutrido e iluminado.
Talvez,
a frieza de muitas construções modernas não estejam só
relacionados ao uso excessivo de metais, dos desings quadrados e
impositivos, mas também pelo pouco envolvimento das mulheres nesse
processo. Onde nós que somos as portadoras da essência do criar e
acolher, somos distanciadas e taxadas de fracas e incompetentes.
foto: Carlos Alberto |
Pelos
princípios em que se baseia e as técnicas que utiliza a bio
construção, gera um espaço acolhedor para que homens sensíveis e
mulheres fortes se encontrem. Reconhecendo que não somos iguais, que
temos formas diferentes de pensar, de sentir, de agir, de trabalhar,
de tocar e de nutrir. Mas que o prazer esta justamente na
possibilidade de se permitir ser quem se é e se deixar encantar pelo
outro encontrando plenitude e complementariedade.
foto: Leandro Anton |
O
movimento é continuo e por isso chegar a um fim ou a uma conclusão
não é possível. Mas não tenho dúvidas de que a bio construção
é um movimento que nos permite ascender na espiral da evolução
coletiva curando ambientes e relações.
Potira Preiss, maio de 2007.
Post: Leandro Anton
Um comentário:
Isso é o que nos faz viver!
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